Dentre as pautas das lutas sociais no Brasil, o debate sobre a mulher e sua autonomia na decisão sobre seu corpo não poderia faltar.

Um dos principais pontos desse debate na atualidade é o Estatuto do Nascituro, nome pelo qual é conhecido o Projeto de Lei – PL 478/2007, de autoria dos então deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG). Basicamente, o PL dá proteção, com prioridade absoluta, ao “nascituro”, definido como “ser humano concebido, mas ainda não nascido”, incluindo “os concedidos in vitro, mesmo antes da implantação no útero da mulher” (artigo 2º do PL). “Absoluta prioridade” significa prioridade sobre qualquer direito de qualquer pessoa, inclusive os da mulher que o carrega. Ou seja, um amontoado de células passa a ter mais direitos do que uma mulher.

Em sua versão original de 2007, o PL proibia o aborto em todos os casos, inclusive quando a gravidez colocasse em risco a vida da mulher ou fosse resultante de estupro, situações na qual o atual Código Penal (artigo 128) autoriza a realização do aborto, uma conquista obtida na década de 1940. Atualmente, há uma nova versão do projeto de lei de 2010, que retirou alguns dos absurdos contidos na proposta original, mas manteve muitos outros, que, se aprovados, serão grandes retrocessos na garantia de direitos das mulheres. Ao conferir “prioridade absoluta” ao embrião ou feto, coloca todos os direitos da mulher em segundo plano, pois em qualquer decisão entre um direito dela e a continuidade da gravidez, é esta última que deve prevalecer, como se a mulher, ao engravidar, virasse uma incubadora do Estado, com a responsabilidade de suportar qualquer coisa em nome de uma “gestação saudável”. O blog “Contra o Estatuto do Nascituro” traz dados que ilustram o retrocesso que a aprovação do projeto de lei pode trazer para a garantia dos direitos das mulheres.

A nova redação do PL não altera expressamente o atual texto do Código Penal, mas abre brechas para dificultar a realização de aborto nos casos previstos em lei e em casos de impossibilidade de vida fora do útero, já autorizado em decisão do Supremo Tribunal Federal (ADPF 54). O aborto ilegal está entre as principais causas de mortes maternas. Com a aprovação do Estatuto do Nascituro, é provável que essas mortes aumente. Criminalizar o aborto nunca é solução. Queremos educação sexual para escolher; contracepção para prevenir; aborto legal e seguro para não morrer.

O projeto de lei prevê ainda o pagamento de pensão alimentícia para a criança nascida de uma gravidez decorrente de estupro (artigo 13 do PL), apelidada de “bolsa estupro”. Caso o “genitor” seja identificado, ele será o responsável pelo pagamento da pensão; se não for, o Estado deverá se responsabilizar pelo pagamento. A mulher é assim obrigada a criar vínculos com seu agressor, que passa a ter deveres, mas também direitos de paternidade em relação à criança. Se a mulher vítima de estupro decidir ter o filho por questões religiosas é um direito dela, mas o Estado, que é laico, não pode impor o mesmo tratamento para toda a sociedade. Deve ser uma questão individual de cada mulher. Defender o direito ao aborto não é defender que toda gestação deva ser interrompida. E sim que as mulheres tenham a garantia de atendimento de qualidade e sem preconceito por parte do Estado se fizerem essa opção.

Além disso, o PL ainda coloca em risco a pesquisa com células-tronco embrionárias, usadas em diversos tratamentos de saúde. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal decidiu que (ADI 3510) esse tipo de pesquisa não viola o “direito à vida” do embrião, pois este direito é inexistente, e integra o direito fundamental à saúde. O Estatuto do Nascituro pretende punir qualquer violação aos direitos de embriões, inclusive os fertilizados in vitro, e, desde modo, impossibilita a realização de pesquisa com células-tronco embrionárias.

O Estatuto do Nascituro já foi aprovado na Câmara dos Deputados pelas Comissão de Seguridade Social e Família e de Finanças e Tributação. Para valer como lei, o PL ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça, seguir para o Plenário, passar pelo Senado e ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff (PT).

Enquanto assistimos o crescimento da influência e do poder do fundamentalismo religioso nos ameaçando com retrocessos, o governo, por sua vez, adota uma postura negligente e comete erros grosseiros no tratamento da questão. No meio da Jornada Nacional contra o Estatuto do Nascituro, o Cine Protesta chama a todxs para discutir essa afronta contra a autonomia das mulheres.

Compareçam!

Cine Protesta – Mostra de Lutas Sociais no Brasil
Evento no facebook
Filme: 
O aborto dos outros, 2008.
Debate:
 Sarah de Roure, integrante da Marcha Mundial das Mulheres.
Quando:

18 de Setembro, às 18h
Onde:

Ecla – Espaço Cultural Latino Americano
Rua Abolição, 244 – Bela Vista